DA SÉRIE: DETALHES MOSTRAM SOLUÇÕES
Certo dia, algumas semanas antes da eleição presidencial de 2022, estava numa oficina mecânica para avaliar um orçamento de reparos no meu carro.
Entre a conversa sobre a negociação do reparo, ali mesmo na oficina, um mecânico me perguntou:
– Quem é o melhor para presidente? Eu ainda não sei em quem votar, completou.
Nenhum, falei.
Desconsiderou minha resposta e perguntou:
– Você vai votar no Bolsonaro?
Não vou votar, respondi.
Desconsiderou de novo minha resposta e pontuou.
– Então, vai votar no Lula.
Vou falar de novo, frisei: Eu não voto há mais de 25 anos. Depois que descobri o quanto sou enganada pelas anomalias submersas que regem o pleito eleitoral, nunca mais consegui ir à urna para votar. Tudo está deteriorado e com brechas macabras e inaceitáveis. Os candidatos e os próprios partidos têm falhas na regulamentação das candidaturas, oculta-se muitas coisas importantes nos estatutos. Leia um estatuto de qualquer partido e veja quanta coisa falta lá. Os partidos são instituições em que no próprio documento regulador não há exposição clara de como são escolhidos os dirigentes. Falam em convenções, mas quem pode ser candidato? É fato, os mesmos de sempre, geralmente os que fundaram o partido. Esse, sendo uma instituição de direito PRIVADO, deixa implícito que quem funda a instituição é o dono dela, ou que a preside e comanda. E aí, será que isso permite mudanças? Ou os pleitos são sempre direcionados a candidaturas que estejam enquadradas nos interesses individuais dos donos e seus correligionários?
No meio da conversa, outro mecânico, deitado num carrinho esteira para entrar debaixo do carro, rolou um pouco para fora e falou para mim.
– Então, se você não vota, não pode cobrar nada de ninguém,
E rolou a esteira para debaixo do carro de novo.
Impulsionada pela intervenção, cheguei mais próxima do carro onde o mecânico estava e falei:
Ei, moço, sua colocação é muito valiosa e importante. Por favor, role sua esteira para fora que quero lhe perguntar uma coisa.
Ele o fez, e então o indaguei:
Você vai votar, certo?
– Sim, respondeu ele.
E uma vez que votar, vai cobrar algo de alguém no poder?
– Não, respondeu ele, muito sincero.
Então posso esticar um pouco a conversa com você? Pode ficar aí deitado no seu carinho, não vou me demorar.
E passei a dizer algumas coisas. São elas:
- Eu não voto em ninguém porque nenhum candidato, de todas as três esferas de governo (municipal, estadual, federal), em qualquer eleição, apresenta planos de governo que demonstram atuação na base dos problemas, lá onde é possível a solução. Eles só prometem fazer coisas na superfície, ou seja, fazer remendos onde não é possível sanar de vez qualquer problema. Dito isso, pergunto: você tem visto os problemas de toda ordem se agigantarem ou tem visto os problemas sendo reduzidos?
Permaneceu me fitando calado e prossegui.
- Por isso, me sinto totalmente à vontade para cobrar tudo, e mais um pouco, de todos eles. E vou te dar mais uma justificativa.
- Não voto porque o voto obrigatório não condiz com a democracia, e vejo nisso uma das mais profundas anomalias da Constituição Federal de 88. Se o sistema é democrático, não me sinto obrigada a votar, muito embora a CF, que propagam ser democrática, me exija isso. É completamente antagônico.
- Reforço mais esta minha análise. Propaga-se que o voto é um direito de cada cidadão. Como um direito pode ter obrigatoriedade de ação? Só usa um direito quem quer. Mas, se não formos votar somos punidos, caso não justifiquemos a ausência ao pleito. Como isso pode ser um direito? Como alguém pode ser punido por não fazer uso de um direito, no caso o voto? Democracia é obrigar o cidadão a votar?
Enquanto me ouviu calado, deitado na esteira e fitando-me, perguntei concluindo:
Entendeu, minha análise sobre direito e obrigação?
– Sim, nunca tinha visto por este ângulo, respondeu ele.
Por fim, eu disse que havia acabado de lhe dar informações. Então, rolou o carrinho para debaixo do carro e continuou seu trabalho, calado. Acho que se impressionou com a realidade que ouviu.
Ao voltar, percebi que os outros dois mecânicos ficaram me ouvindo com muita atenção também.
E um deles falou:
– No dia da eleição, eu vou viajar. Não vou perder meu tempo.
É o melhor que você faz, respondi. Não ir à urna é um direito seu e de todos os brasileiros. E isso tem uma valia muito maior do que o voto quando se quer demonstrar que não se está concordando com o andar da carruagem. Enquanto o eleitor vota para evitar que o candidato de outra ideologia seja eleito e não porque acredita ser o melhor para o país, temos um pleito deturpado por ideologias e um mandato sem o verdadeiro poder do voto livre. Assim, a situação do Brasil vai ficando cada vez pior e com os mesmos problemas cada vez mais agigantados. É o resultado dos eleitos pelo PODER FICTÍCIO do número de votos “validos” (excluídos os votos brancos e nulos) e não pelo PODER VERDADEIRO do voto livre e descompromissado.
Ninguém, nem mesmo a constituição, pode nos obrigar a fazer uso de um direito se não queremos. Infelizmente, nossa constituição federal foi redigida com anomalias premeditadas pelos constituintes de 88.
O estado é de direito e o regime é parcialmente democrático. O regime tinha que ser totalmente democrático. Por isso, a democracia não se fortaleceu. Ao contrário, ela se enfraqueceu.
Este breve diálogo na oficina expõe o quanto os eleitores ignoram nuances e sutilezas que geram impacto contrário ao que se alardeia sobre a democracia. Nada que é desvirtuado produz resultados positivos, nada. Desse modo, a democracia brasileira, contraditória na própria carta magna, não poderia dar à população a segurança jurídica necessária para que os políticos se comportem adequadamente. Não poderia, a carta magna está maculada. Os políticos não trabalham para o povo. Eles só se movimentam para salvar a própria pele das bagunças e ilegalidades que cometem e usam o poder judiciário, quase que exclusivamente, para eles. Pagamos uma estrutura absurda para nos dar prejuízos gigantes. Só o que é certo pode ser virtuoso. O que está errado na base só traz prejuízos volumosos e irrecuperáveis.
Seria muito bom se o eleitor brasileiro refletisse sobre a base das coisas, sejam problemas ou soluções.
Seria muito bom se o eleitor brasileiro mais esclarecido pensasse que quem elege os políticos é uma massa pobre (numerosa), desinformada e, por isso mesmo, manipulada. Por conta disso, os políticos fazem questão de não ter políticas públicas de trabalho e renda. Melhor para eles é dar as esmolas dos benefícios sociais. Não estou dizendo que o pobre não deve votar. Todas as classes devem ser livres para votar, apenas isso. Enquanto o voto for obrigatório, vinculado a manutenção de vários “direitos”, a democracia despenca, despenca até ruir de vez. Estamos neste processo já bem avançado. E o povo iludido e manipulado deu aval a tudo o que aconteceu até hoje. E após cada eleição, fica a esperança de melhora. Para quem vota, num ou noutro candidato, fica apenas com a esperança de que o eleito vai melhorar algo.
Mas, tudo tem piorado muito nas últimas 4 décadas. Se não, onde se pode mensurar melhoras marcantes? Onde estão os legados? (aquilo que ninguém pode destruir). Estamos em mais uma crise profunda, não só pelos eventos internacionais nem só pela pandemia. Estamos numa nova crise promovida por anos a fio, há décadas dentro das instituições brasileiras. E a crise que vivemos agora só comprova que o Brasil foi conduzido entre crises e que os avanços que teve foi para amenizar o que se perdeu nas crises. Ou seja, nunca melhorou.
Explico melhor. Se numa crise se perde, quando há uma melhora tem que se considerar que a tal “melhora” foi sobre o que se perdeu. Então, não melhorou. No mínimo se empatou. E de empate a empate, ou de perda em perda, o que cresceu ou se fortaleceu no Brasil? Nada. Estamos num prejuízo imenso. Vamos recuperar? Não. É uma grande conta a pagar pelos brasileiros, que votam ou não. E assim, com dívidas, estamos mais pobres. Nisso, os candidatos têm a munição adequada para se eleger, prometendo melhorar sobre o que foi piorado, sempre.
Sinto muito, mas votar, para mim, é suicídio. Nada irá melhorar indo à urna. Nada. As campanhas eleitorais provam que a pobreza e a miséria são armas ideais para que a classe política se perpetue no poder, décadas a fio.
Sinto muito, mas eu não vou à urna, mais uma vez. Esse é meu direito, num regime democrático.
Que tal você refletir e estudar também sobre os dois P.S. abaixo e avaliar se os ditames se processam como escrito.
P.S.1: LEI Nº 9.096 DE 19 DE SETEMBRO DE 1995 – DISPÕE SOBRE PARTIDOS POLÍTICOS, REGULAMENTA OS ARTS. 17 E 14, PAR. 3º, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Art. 1º O partido político, pessoa jurídica de direito privado, destina-se a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais definidos na Constituição Federal.
P.S.2: (WIKIPÉDIA)
“Estado de direito é uma situação jurídica, ou um sistema institucional, no qual cada um e todos (do simples indivíduo até o poder público) são submetidos ao império do direito. O estado de direito é, assim, ligado ao respeito às normas e aos direitos fundamentais. Em outras palavras, o estado de direito é aquele no qual até mesmo os mandatários políticos (na democracia: os eleitos) estão submissos à legislação vigente”.
Meus parabéns! Muito claro e real. Nessa altura desse mundo cheio de maldade e contradições, só resta a esperança de que uma força maior mude os caminhos da humanidade. Até prova em contrário somos a praga que assola nosso lar, paraíso único.
Lembrando o Tiririca que levou para a Câmara pessoas que não tiveram mais do que os votos da familia